Seedcast

Seedcast em Portuguese: DJ Eric Terena: Sons Coletivos para Uma Nova Era

Nia Tero Season 3 Episode 3

Na esteira de uma mudança política no Brasil em direção à justiça ambiental e aos direitos indígenas, o ativista e DJ Eric Terena (do povo indígena Terena) compartilha neste episódio de Seedcast como a música pode contribuir para o bem coletivo. Ele conta a história de como aprendeu a integrar suas identidades de ativista, comunicador e artista, e como suas colaborações com llideranças indígenas como Sonia Guajajara e Celia Xakriabá podem ajudar na conscientização sobre os direitos indígenas em todo o mundo. A produtora Marianna Romano nos traz esse episódio desde São Paulo e uma versão em português desse episódio será compartilhada anas próximas semanas. Apresentadora: Jessica Ramirez. Produtora: Marianna Romano. Editor de histórias: Jenny Asarnow. Produtor Executivo: Tracy Rector. 

Assim como a arte e a música são parte integrante do movimento pelos direitos indígenas, a música é central neste episódio. As faixas em destaque de Eric Terena são: 

Saiba Mais: 

Convidamos você para o nosso episódio com Nara Baré em português aqui!

This episode can be enjoyed in English as well. Listen here.


Seedcast is a production of Nia Tero, a global nonprofit which supports Indigenous land guardianship around the world through policy, partnership, and storytelling initiatives.

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Seedcast em Portuguese: DJ Eric Terena: Sons Coletivos para Uma Nova Era
26/04/2023

[00:00:00 - Marianna Romano]

Olá, eu sou a Marianna Romano. E hoje eu estou aqui apresentando o programa Seedcast, entrando no lugar da Jéssica Ramirez, porque, hoje, o programa vai ser totalmente em português. Esse é o Seedcast em português.  

[MÚSICA-TEMA DE MIA KAMI]

Seedcast é um programa que honra as tutelas indígenas, o direito intrínseco dos povos indígenas e sua responsabilidade em governar e administrar os territórios coletivos, usando suas próprias leis e valores, cultura, linguagem e práticas tradicionais. 

[FIM MÚSICA-TEMA DE MIA KAMI]

E no programa de hoje, a gente vai lá para o Brasil.

[17th NOVEMBER AUDIO Celia Xakriabá and Sonia Guajajara celebrate Lula at COP]
https://www.dropbox.com/s/mh8ahooehxn9bmw/17nov%20celia%20guajajra%20lula.mp3?dl=0

[A gente aqui uma noite não é nada

aqui chegou o presidente no romper da madrugada

aqui chegou o presidente no romper da madrugada

vamos ver se nós acaba com o resto da empreitada

vamos ver se nós acaba com o resto da empreitada

reina reina reina rê-ô reina reina reina rá

reina reina reina rê-ô reina reina reina rá]

 Esse canto vem das lideranças indígenas Sonia Guajajara e Celia Xakriabá, celebrando a vitória eleitoral do Luiz Inácio Lula da Silva, durante a conferência do clima da ONU, do ano de 2022 no Egito. Quem também estava lá no mesmo evento foi o DJ Eric Terena. Ele é um jovem ativista do povo Terena, que vem trabalhando em diversas frentes, com o objetivo de elevar e proteger povos indígenas.

[00:01:57 – DJ Eric Terena] 

Dá até um aperto assim no coração de tão emocionado que é tudo isso que está acontecendo. 

[00:02:02 – Marianna Romano]

Para ele, a vitória de Lula também é motivo de celebração. 

É uma oportunidade de poder seguir adiante com outro horizonte em mente: o horizonte da prosperidade.

[00:02:13 – DJ Eric Terena]

Esse período está sendo o período que a gente chama de prosperidade, que as coisas estão caminhando para serem melhoradas, para serem ouvidas. Então, nós podemos falar que, agora, nós temos um espaço oficial.

[00:02:26 – Marianna Romano]

Esse espaço oficial ao qual Eric se refere é o Ministério dos Povos Originários, inaugurado por Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é um grande indicador desse novo período de prosperidade.

[MÚSICA DE ERIC COMEÇA]

ATL 2021 - Conselho Terena dia 5: Show de encerramento com Eric Marky Terena.

Depois de um tempo de escuridão, andar de novo rumo à prosperidade pode ser desconfortável, ou, até mesmo, assustador. Mas é nesse momento que a gente pode começar a curar o trauma e abrir caminho para novas ideias e planos. Viver no terror evoca uma sensação de emergência em tudo que a gente faz, e todo o resto parece superficial, frívolo. Quando, na verdade, arte, descanso, beleza e curiosidade são parte fundamental do que significa ser “humano”.

[00:03:18 – DJ Eric Terena] 

Eu sou o Eric Terena, sou do povo Terena de Mato Grosso do Sul. Tenho 29 anos, sou DJ, ativista.

[00:03:27 – Marianna Romano]

O Eric se denomina ativista, mas se a gente botar uma lupa no significado dessa palavra na sua vida, ela também significa que ele é um fotógrafo, jornalista, DJ, músico, educador, tudo para o bem coletivo. Bom, pelo menos foi desse jeito para o Eric.

[00:03:44 – DJ Eric Terena]

Na sociedade não indígena ocidental, você só pode ser uma coisa na sua vida. E aí, dentro da sociedade indígena, você pode ser o que você quiser, desde que seja para o bem coletivo. 

[MÃE - OHOKOTI HIUTIKOTI - COMEÇA A TOCAR]

 [00:03:58 – Marianna Romano]

Ele nos disse que durante a infância, tinha tantas pessoas para compartilhar o espaço, a comida e os recursos, que era impossível pensar numa existência mais individual. A coletividade sempre estava presente. E a música sempre fez parte desse modo de viver. Aliás, é a mãe de Eric cantando aí no fundo. 

Para muitos povos indígenas, entende-se que a arte está integrada ao tecido da vida, e essa criatividade é um aceno para a espiritualidade e para os ancestrais. É uma forma de comunicar o seu próprio poder ao grande vento que sopra em todos. Isso certamente é verdade para Eric, e para o povo Terena também, como um todo. Os líderes captam esse vento através de seus sonhos e da música.

[00:05:04 – DJ Eric Terena] 

O nosso canto é sonhado. Não é um canto coletivo. Então, os Koixomoneti, que são os nossos rezadores, sonham com a canção.

[00:05:13 – Marianna Romano]

Os Koixomoneti são os guias espirituais da comunidade Terena.

[00:05:16 – DJ Eric Terena] 

Os Koixomoneti são os rezadores, são as pessoas que fazem a conexão com a ancestralidade. Então eles estão acima da organização social do povo Terena. Abaixo deles, tem as lideranças indígenas e, também, o Sukrikionó e o Xumonó

[00:05:35 – Marianna Romano]

Dentro do sistema espiritual Terena, Sukrikionó e Xumonó são forças complementares. Xumonó representa o comportamento juvenil, brincalhão, destemido, agitado. Já o Sukrikionó, por outro lado, é a maturidade, a calma e a serenidade.

[00:05:54 – DJ Eric Terena] 

O Sukrikionó e o Xumonó são a base, as duas metades endogâmicas, os dois clãs a que pertence o povo Terena. Então o Sukrikionó e o Xumonó são essas metades endogâmicas que também servem para que o povo indígena Terena se organize politicamente, socialmente, de forma de identidade.

[00:06:16 – Marianna Romano]

Uma vez que os Koixomoneti da região sonham com uma música, ela pode também representar um presságio do que está por vir.

[00:06:23 – DJ Eric Terena] 

Elas imaginam como se fosse um presságio, como se fosse uma mensagem, como se fosse um sinal. E aí, a partir do canto, quando aquilo acontece, ela começa a cantar e ela começa a narrar tudo o que vai acontecer a partir de agora, ou tudo que pode acontecer. Através do canto é a conexão com o nosso ancestral; a musicalidade é a conexão com o nosso ancestral, no nosso povo.

[00:06:46 – Marianna Romano]

Os Terenas são um dos maiores grupos indígenas fora da Amazônia brasileira. Eles vivem principalmente no Centro-Oeste do Brasil, na região do Mato Grosso do Sul, onde a paisagem é composta principalmente por várzea e um bioma chamado Pantanal, com áreas naturalmente alagadas, que parecem vários lagos vistos de cima, muito próximos assim um do outro. Sua língua nativa é o Aruak, falada até hoje. A maioria dos Terena é bilingue. E, embora os Terenas tenham sido historicamente patriarcais, agora são as mulheres que se tornaram as organizadoras políticas dos Terena.

[00:07:22 – DJ Eric Terena] 

Politicamente, também, as mulheres vêm assumindo todo esse aspecto político de luta em busca de políticas públicas. Porém, é uma decisão feminina dentro da organização indígena. Então, a atuação das mulheres está sendo muito importante, perdeu este aspecto patriarcal. A mulher acaba decidindo por diversas vezes dentro de casa, na organização social da política, na religiosidade também, na musicalidade e por aí vai. Então, algumas coisas que vêm mudando com o tempo. 

 [00:07:57 – Marianna Romano]

Durante a infância, quando sua mãe e outros parentes estavam ocupados organizando a comunidade, Eric costumava ir passar o dia no trabalho do seu pai, numa estação de rádio local. Foi aí que ele começou a usar as ferramentas que, mais tarde, iam ajudá-lo em seu trabalho.

[00:08:12 – DJ Eric Terena] 

Eu ia com o meu pai, desde criança, para o estúdio de rádio. Então, eu tive o meu primeiro contato com o rádio, com o estúdio ali; foi com ele que, muitas vezes, eu apertava o botão ali para poder colocar a próxima música na rádio. E chegavam os vinis ali: era muito elitista, na época, ter um vinil. Meu pai fala assim “olha, eu vou tocar a música tal aí, grava aí pra gente”. E aí eu comecei a gravar em casa, e eu era o jovenzinho que chegava na cidade: “olha, eu tenho as melhores fitas aqui, ó gurizada, vamos escutar na aldeia”.

[]00:08:45 – Marianna Romano]

Eric estudou jornalismo na universidade e se formou em 2015, momento em que uma onda política conservadora tomava força no Brasil. Na época, os Terenas viviam ameaças constantes, com o rápido avanço da mineração e das fazendas da região. Grandes proprietários rurais entraram em disputa judicial pelas terras demarcadas. Esses fazendeiros conseguiram até que alguns estudos demarcatórios fossem anulados. Os Terenas e outros povos indígenas do Mato Grosso do Sul reagiram, mas a polícia muitas vezes foi truculenta e impôs uma opressão aos povos que ali resistiam. O poder financeiro desses agentes agrários parecia importar mais do que a vida indígena que ali habita. As lideranças indígenas, sob ataque, estavam cansadas que a imprensa de massa fosse a única a se pronunciar nas notícias. Elas viram a necessidade de ter jovens indígenas vindo à frente nas comunicações para a política e se manifestarem sobre os problemas que estavam acontecendo ali em suas comunidades e no Brasil. E parece que as pessoas perceberam que Eric tinha algo especial: ele é um ótimo comunicador.

 [00:09:53 – DJ Eric Terena] 

Essa foi a parte mais importante, em que as lideranças falaram assim: Nós precisamos e temos comunicadores; vocês precisam fazer alguma coisa. 

 [00:10:00 – Marianna Romano]

Essa necessidade de notícias feitas por e para povos indígenas, foi o que deu origem ao Midia Índia, um hub de notícias fundado por Eric e seus colegas.

[00:10:12 – DJ Eric Terena]

Iniciamos o Mídia Índia com nove comunicadores indígenas coordenando, e aí, cada um em sua região. E a ideia do Mídia Índia era fazer oficinas para capacitar mais jovens indígenas para integrar o movimento como um todo. 

 [00:10:28 – Marianna Romano]

É um espaço na internet onde podiam escrever, editar e publicar suas próprias histórias, com um ângulo que não era ditado pelos meios de comunicação em massa, e sim por eles mesmos. A retomada das terras é fundamental para a resistência indígena, mas reivindicar a criação midiática é, também, uma forma de resistir, estando presente nas ideias e no discurso.

 [00:10:51 – DJ Eric Terena] 

Nós perdemos muitos líderes. E toda vez que a gente estava na cobertura, as pessoas tomavam a nossa máquina fotográfica, tomavam nossos telefones, apreendiam nossos equipamentos. Porque, sim, esse equipamento, essa ferramenta é uma ferramenta de denúncia também, e que coloca também o Estado como de um ato mais criminoso, contra as populações indígenas que estavam ali. 

 [00:11:18]

O Mídia Índia tornou-se um ponto de convergência para jornalistas, fotógrafos e colaboradores indígenas, a fim de registrar suas próprias histórias e investigá-las por conta própria. Eles agora tinham as ferramentas e a equipe para publicar refutação às fake news que estavam sendo espalhadas.

 [00:11:36 – DJ Eric Terena]

Ou seja, além de a gente ter a operação técnica de equipamentos, celular, telefone, a gente conseguia entender ainda a linguagem jurídica de projetos que, antigamente, eram totalmente... eram incógnitas para todos nós. Então foi uma revolução. 

 [00:11:54 – Marianna Romano]

Os líderes do movimento contavam agora com o apoio de Eric. Sonia Guajajara o convidou para ensinar rádio aos jovens Guajajara. Como produtor de mídia multitalentoso, Eric fazia documentários em vídeo para o Mídia Índia, abraçando, ali, diferentes etapas de produção também. Então, às vezes, ele produzia trilhas sonoras originais exclusivas para os vídeos.

 [00:12:16 – DJ Eric Terena]

Então eu conseguia fazer trilhas sonoras para os nossos próprios documentários, fazer remix para os nossos próprios vídeos. Então esse é o negócio da comunicação e a parte minha artística que estava conectada sempre. 

[00:12:27 – Marianna Romano]

Ser artista pode ser uma experiência alegre, comunitária e prolífica. Mas o processo criativo de criar alguma coisa, com o objetivo de se expressar, também pode ser solitário, confuso e cheio de bloqueios. Foi Henry Miller quem chegou a dizer: "Um artista sempre está sozinho, se for um artista. Não, o que o artista precisa é solidão". Mas nesta sociedade tão centrada em valores individuais, com que frequência a gente anseia por colaboração e um senso de comunidade mais forte? Eric estava percebendo que podia haver uma maneira de estar a serviço de sua comunidade e seus ideais, ao mesmo tempo que se conectava com seu eu superior, a sua arte. Um encontro casual tornou isso ainda mais claro. Foi assim: Eric estava viajando pelo mundo como fotógrafo, ampliando os movimentos indígenas. E foi em Paris que ele conheceu a Djuena Tikuna, outra artista indígena, que estava lá fazendo uma turnê própria, como cantora. Ela entregou a ele um CD dela e disse que já conhecia o seu trabalho e que ia adorar colaborar com ele e com o Mídia Índia. E assim, foi feito o remix de uma música chamada Tetchi’arü’ngu.

 [MÚSICA TETCHI’ARÜ’NGU COMEÇA A TOCAR]

 [00:14:02 – DJ Eric Terena] 

Tem músicas que são culturalmente cantadas, como por exemplo, a de Djuena Tikuna, em que ela canta a origem do seu povo na sua canção. Isso é música contemporânea, a gente coloca, contemporânea indígena. A gente fala que é música contemporânea porque é gravada com microfone, é mixada, todo o processo fonográfico é feito, é masterizada, tem um instrumento mais eletrônico, mas também tem um instrumento mais tradicional.

 [00:14:54 – Marianna Romano] 

Tetchi’arü’ngu é uma música que a avó de Djuena Tikuna costumava cantar e, possivelmente, compôs também. Ela fala da primeira mulher, uma mulher Charango, que encarna as origens do povo Tikuna. Os Tikuna, aliás, são uma das comunidades indígenas mais numerosas da Amazônia brasileira.

 [00:15:11 – DJ Eric Terena] 

E aí eu comecei a capturar sons das florestas. Comecei a capturar o som da sumaúma, o som dos macacos, o som dos pássaros. Então, quando você escuta música, você escuta a música de forma mais limpa, porque ela tem misturas mais direcionadas para a parte orgânica, vamos dizer assim, natural do som da floresta mesmo, de verdade. Só que essa música específica foi o marco onde eu falei assim: eu preciso me dedicar, porque, se eu conseguir fazer essa música, eu posso fazer muitas outras. 

 [00:15:45 – Marianna Romano]

Eric estava claramente fazendo um ótimo trabalho, um jornalista com muitos projetos diferentes. Mas depois de Tetchi’arü’ngu, essa música, ele começou a pensar seriamente em ser também um produtor musical. Então, ele lançou a música, e mais e mais pessoas começaram a compartilhar. Muito mais do que ele imaginava. A música foi parar dentro das próprias comunidades indígenas. O lançamento ganhou tração.

 [00:16:11 DJ Eric Terena] 

Quando a gente lançou, os povos indígenas começaram a publicar: "pela primeira vez, eu tenho orgulho de publicar uma música que os ingleses não sabem o significado", que é muito boa. Sabe, quando a gente canta a música em inglês, que a gente tampouco sabe o que que é, mas você acha que a melodia é muito boa. A galera começou a compartilhar assim, caramba, que que é isso! 

 [00:16:32 Marianna Romano]

A partir daquele momento, ficou claro que Eric estava recebendo um chamado para produzir sua própria música. Ele estava determinado a aprender sozinho como usar softwares de música como o Logic e o Pro Tools, mas aí ele percebeu como que essas ferramentas eram caras e meio fechadas para o uso geral; de difícil acesso. Mesmo no Youtube, onde a informação é gratuita, todos os tutoriais que ele encontrava eram em inglês, idioma no qual ele não era fluente. 

Ele conseguiu ensinar a si próprio copiando em seu equipamento o que ele via nos vídeos. E, então, ele ia lá, ver como é que aquilo estava soando. E aos poucos, passo a passo, desse jeito, ele foi moldando seus próprios sons. Foi um processo lento, ele diz. Ele começou a tocar em festas, mas dessa vez, também com sua própria música na playlist. Mas parecia haver uma divisão de personalidade ali, em algum lugar. Ele usava um nome para seus empreendimentos jornalísticos —  Eric Terena — e outro para os musicais — DJ Eric Marky. Aliás, é com esse nome que você pode encontrar ele em serviços de streaming. Seus amigos, ou "a galera", como ele diz, tentaram argumentar que ele devia usar um nome só.

 [00:17:45 – DJ Eric Terena]

Aí, quando a galera falou assim “Não, você tem que decidir, você tem que assumir essas duas identidades em uma só”. Aí o Eric Terena DJ é o Eric Terena também comunicador. Porque eu achava que eram coisas distintas. Mas quando eu comecei a fazer meus shows mais audiovisuais, falei: “Cara, tá tudo aqui”.

 [00:17:59 – Marianna Romano]

Agora, era possível vislumbrar uma carreira que pudesse mesclar todas as suas frentes criativas, em vez de separar tudo em categorias organizadinhas. Ele começou a apresentar sua música como DJ Eric Terena, o mesmo nome que ele usava para suas assinaturas jornalísticas. Um só nome para uma só pessoa, com muitas frentes.

Ele estava, finalmente, em plena unidade com todo o seu trabalho. Parte dessa unidade consistia em começar a se apresentar usando seu cocar, coisa que ele não fazia antes dessa reflexão. Mas, aparentemente, algumas pessoas não gostaram dessa mudança.

 [00:18:36 – DJ Eric Terena] 

Quando eu mudei para Eric Terena e comecei a tocar de cocar, muitos contratos foram rescindidos. Tive muitas pessoas [dizendo]: "Não, beleza. Valeu. Você vai tocar de cocar e tudo mais, mas na minha festa, você não toca”. Já cheguei a ouvir isso também. Rescindimos contratos de muitas outras coisas, de shows, de eventos e tudo mais. Ótimo, isso faz parte do processo do silenciamento estrutural que eu estou falando da colonização. 

 [00:19:01 – Marianna Romano]

Apesar da mesquinhez das pessoas que rescindiram os contratos com ele nessa época, havia outros contratantes no mundo que ansiavam por vozes mais diversas. Ele fez shows na ONU e em Glastonbury, na frente de milhares de pessoas. Suas apresentações se tornaram uma combinação sofisticada de arte visual, música e consciência política, em colaboração com uma equipe de pessoas da área de criação e palestrantes indígenas. Pessoas como a atual deputada federal Célia Xakriabá, que você pode ouvir aí no fundo, nessa música do Eric.

 [MÚSICA COM CÉLIA XAKRIABÁ]

[00:19:53 – DJ Eric Terena] 

A música para a festa é diferente da música para sensibilizar as pessoas, como intervenção audiovisual. Usar a música como ferramenta de conscientização para essas pessoas. Até porque música pop muita gente já está fazendo. A “Inversões” por exemplo, mostra tsunami, impacto, desmatamento, contaminação de rio, porque essa é a conscientização.

[00:20:13 – Marianna Romano]

“Inversões” é o nome de outra colaboração que Eric fez, desta vez com Gean Ramos Pankararu.
 
 [MÚSICA COM GEAN RAMOS – INVERSÕES]

[Repensar o passado é necessário

para um futuro melhor poder viver

tantas coisas erradas foram feitas

destruídas sem pensar num amanhã]

[00:20:31 – DJ Eric Terena] 

E é um samba drum and bass, tudo com ritmos tradicionais. Então é taquara, que a gente chama, que é um bambu grande, que você bate no chão, e a gente captou o som dele; o maracá [faz sons com a boca], tem um passarinho também [imita sons de pássaro], todo ali misturado numa música, que, juntos, eles começam a ter uma harmonia muito mais integrada e diferente, porque esse é um tipo de ritmo eletrônico que poucas pessoas exploram.

 [(...) substituir índio por gado

ribeirinho por usina nuclear

mas que tanta injustiça é essa? 

que inversão de valores também

o ser humano não tem mais valor

e o meio ambiente que valor tem? 

moeda de troca funcionaria

com a natureza que dá, mas tem que receber

a indústria sorri da utopia

e o homem chorando humilhado vai sofrer

vai morrer com os peixes, afogar o rio, inundar a caatinga]

[00:21:40 – Marianna Romano]

O ar político no Brasil, agora, parece mais fácil de respirar, para muitos de nós agora — nem todos. O Brasil é governado de novo por Luíz Inácio Lula da Silva, que tem um histórico positivo em fazer políticas para as comunidades indígenas e demarcar suas terras. E esse novo governo trouxe consigo o novo Ministério dos Povos Indígenas, liderado por ninguém menos que Sonia Guajajara. Seu secretário executivo é Eloy Terena, outro amigo de Eric, que é um advogado prestigiado do povo Terena. Isso tudo é muito empolgante. Ter esse ministério é se recusar a aceitar uma narrativa onde a vida indígena não importa. Os povos indígenas vão se mobilizar para grandes eventos esse ano, como o acampamento Terra Livre em abril e a Marcha das Mulheres Indígenas em setembro. E com essas novas mudanças, os eventos têm tudo para ser emocionantes.

 [00:22:40 – DJ Eric Terena]

Fica o convite para quem quiser conhecer o movimento indígena, chegar nesse acampamento Terra Livre e também na Marcha das Mulheres Indígenas, que também é um movimento das mulheres em busca da ancestralidade, do fortalecimento dessa cultura, do fortalecimento dessas decisões, com a participação das mulheres indígenas. 

 [00:23:02 – Marianna Romano]

Mas isso não quer dizer que é hora de baixar a guarda. 

 [00:23:03 – DJ Eric Terena] 

Bom, uma coisa que eu gostaria de complementar é que, hoje, os povos indígenas, apesar de ter um ministério, apesar de estar aí dando os primeiros passos dentro da política institucional do governo federal, como um todo, tendo um ministério indígena, tendo um coordenador da SESAI indígena, tendo uma coordenadora, uma presidenta indígena na FUNAI, a gente ainda luta por políticas públicas. Então, esse é só o pontapé inicial, é só o começo. Então, mesmo que a gente tenha ganhado essa abertura, ainda há muita coisa para a gente poder conquistar, para a gente poder lutar, até porque essa é uma luta coletiva. 

[00:23:52 – Marianna Romano]

Por fim, eu perguntei ao Eric sobre o fio condutor que conecta todo esse trabalho que ele faz e o que motiva ele a seguir em frente.

[00:24:01 – DJ Eric Terena] 

Acreditar que, em algum dia, as coisas vão mudar. Que a minha música, que a comunicação, que a nossa organização toque o coração das pessoas para acabar com esse silenciamento. E que silenciamento é esse? Esse silenciamento que vem desde a época da invasão da colonização, 1500 ali, que desde a sua primeira carta de comunicado, na época, falando sobre o encontro de um novo continente, de um novo espaço, uma terra inabitada, inclusive, não tinha seres humanos aqui. Na verdade, sempre teve, teve indígenas, e isso é algo que a gente tem buscado mudar. Então a música é uma ferramenta de educação, a comunicação é uma ferramenta de educação, e tudo o que a gente traz para as redes sociais, para a internet também, é uma ferramenta de reeducação social. 

[00:24:58 – Marianna Romano]

 E é com essas ferramentas em mãos que Eric vai ingressar nessa nova era para o seu povo e também para o Brasil, pronto para surpreender até a si mesmo pelo caminho.

[MÚSICA DE SEEDCAST COMEÇA]

[CRÉDITOS]

Um agradecimento especial para o Eric Terena.

Você pode acompanhar o trabalho dele no Instagram, no YouTube, o arroba dele lá é @ericterena. E também acompanhar o trabalho do Mídia Índia no midiaindia.org. Veja as notas do show para mais informações.

Este episódio foi produzido e mixado por mim, Marianna Romano, e a história foi editada por Jenny Asarnow.

Obrigada também aos nossos colegas da Nia Tero pelo apoio nesse episódio:

David Rothschild

Daniela Lerda

Maria Fernanda Ribeiro

Margarita Mora

Natalie Figueiroa

Adriana Lima

A entrevista com Eric foi gravada pelo Felipe Contreras na COP27, em Sharm al Sheik, no Egito, em novembro de 2022. 

A gente vai ter um episódio saindo para você a cada duas semanas este ano, então assine o Seedcast na plataforma de podcast favorita para ouvir mais episódios.

Nia Tero é uma fundação com sede em Seattle.

Somos indígenas e não indígenas com a missão de garantir a tutela indígena de todos os ecossistemas vitais.

Isso significa que fornecemos apoio aos povos indígenas no mundo todo.

Apoio aos povos indígenas que estão protegendo suas terras natais da colonização e da destruição.

Suas práticas são um dos nossos melhores guias para tornar a Terra mais habitável para as próximas gerações.

Aqui no Seedcast, nossos convidados representam a si mesmos.

Eles não refletem necessariamente as opiniões de Nia Tero.

Honramos suas perspectivas honestas e experiências vividas.

Você pode saber mais sobre o Seedcast e sobre o nosso trabalho na Nia Tero, no nosso site: niatero.org.

Nossa produtora executiva é Tracy Rector.

Nossa produtora sênior é Jenny Asarnow.

Nossa produtora consultora, Julie Keck.

Produtor consultor, Stina Hamlin.

Verificador de fatos, Romin Lee Johnson.

Mídia social por Nancy Kelsey.

Transcrições de Sharon Arnold.

O Seedcast em inglês é apresentado pela Jessica Ramirez.

A música-tema do Seedcast é Rooted, pela Mia Kami.

Eu sou Marianna Romano, e nos vemos em breve.