Conexão sapiens

Homo Cooperandi - Colaboração humana e seu papel no equilíbrio do sistema #4

Kald Abdallah Season 1 Episode 4

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Este episódio busca demonstrar como a colaboração teve um papel fundamental no desenvolvimento evolutivo humano e é uma habilidade crucial na saúde e equilíbrio com o sistema.

@kald27042024

·       The Evolution of Altruism in Humans Robert Kurzban,Maxwell N. Burton-Chellew, and Stuart A. West Annu. Rev. Psychol. 2015. 66:575–99.

·       Thornhill-Miller, Branden, et al. 2023. Creativity, Critical Thinking, Communication, and Collaboration: Assessment, Certification, and Promotion of 21st Century Skills for the Future of Work and Education. Journal of Intelligence 11: 54.

·       Samu F, Takács K. 2021 Evaluating mechanisms that could support credible reputations and cooperation: crosschecking and social bonding. Phil. Trans. R. Soc. B 376: 20200302.

·       The Origins and Psychology of Human Cooperation Joseph Henrich and Michael Muthukrishna. Annu. Rev. Psychol. 2021. 72:207–40.

Por favor me enviem sugestões, críticas construtivas e perguntas. Me sigam no Instagram @kaldconexaosapiens e para concluir, caso você ache que este é um assunto que vale a pena, por favor espalhe essa notícia, tem um novo podcast - Conexão Sapiens: a ciência desvendando você.

o Um grande abraço do Kald.

Conexão Sapiens: a ciência desvendando você.

Podcast número 4 da fase inicial, área sistema

Homo cooperandi.

1.      Aqui é o Kald, muito bom estar de volta hoje no episódio 4. Relembrando, meu objetivo não é debater para provar que estou certo, mas sim sintetizar o conhecimento para este ser útil e efetivo. Portanto caso você não concorde em princípio com algo, sinta se a vontade de desconsiderar essa parte e utilizar somente o que você concorda e for útil para sua jornada. Caso você ache que algum ponto é cientificamente inválido, por favor envie uma pergunta ou questionamento como seu racional. Caso haja algum comentário ou informação que você gostaria de entender a referência/ evidência científica utilizada, sinta se a vontade de enviar uma pergunta também. Um grande desafio nosso hoje não é saber, mas sim aplicar o que já se sabe, ponto que enfatizei no episódio da introdução. 

2.      Este podcast busca um formato de uma conversa entre 2 pessoas sentadas, na qual uma das pessoas está explicando um ponto para a outra. O Conexão sapiens não é uma palestra ou aula, mas sim uma conversa. Procuro sintetizar da forma mais clara possível a ciência das 4 áreas para ser aplicada na sua jornada, em outras palavras busco conversar com o seu lobo frontal, não com a sua amígdala. O que eu quero dizer com isso é que esta conversa é uma análise calma, descritiva, lógica e baseada em evidências, não uma palestra motivacional, na qual você se sente energizado no final. Isto significa que o cada episódio irá demandar foco e atenção e não será fácil prestar atenção em tantos conceitos novos sintetizados densamente. Um dos objetivos mais críticos do Conexão sapiens é também demonstrar a importância de treinar a atenção nesse mundo cheio de distrações, cada episódio é em si mesmo, um treinamento da atenção. Também tenho consciência de que muitas pessoas não terão interesse ou a disciplina para gastar a energia necessária para manter a atenção, mas acredito que eu deva manter o desenho inicial. Continuarei a conversa com o Spock em cada um de nós, pois caso ele não entenda e adote os conceitos que irei sintetizar, não haverá mudança a longo prazo. Outra forma de descrever o meu ponto, eu estou tentando demonstrar para a sua função executiva o racional científico das prioridades, critérios e parâmetros para suas decisões na sua jornada de crescimento pessoal e social, pois acredito ser um passo crítico inicial na mudança para a direção ideal.

3.      Hoje farei uma síntese sobre a cooperação, um dos três conceitos da pró-socialidade humana que eu queria destacar nesta fase sobre o sistema. Conversei sobre moralidade, o alocuidado no próximo episódio. Após terminar estes 3 episódios relacionados à pró-socialidade humana, irei resumir e demonstrar como eles interagem formando um dos aspectos mais importantes da integração pessoal com o sistema. É claro que há muitos outros aspectos dentro de um sistema complexo, a separação de um conceito é artificial, uma construção mental para entender algo complexo. A cognição humana não foi desenhada para entender um sistema complexo, para tal a ciência, analisa conceitos separadamente para depois juntar e entender o todo. De uma forma simplista, podemos dizer que a ciência utiliza estratégias metodológicas que visam tornar a compreensão da complexidade do universo acessível para o nosso cérebro de catador caçador. Hoje conversarei sobre a colaboração ou cooperação - utilizarei estas 2 palavras como sinônimos.

4.      Considerando o design humano, em condições razoavelmente favoráveis, pode-se imaginar o seguinte cenário: Desde o surgimento do bipedalismo até a invenção da agricultura, os seres humanos evoluíram no decorrer de vários milhões de anos em grupos pequenos de 50 a 150 pessoas, com um número crescente de relações sociais progressivamente mais profundas e longas com a família, amigos e pares românticos. A cognição evoluindo para resolver problemas locais em pequena escala, colaborando ativamente com os outros durante uma análise, decisão e execução, ou seja, exercitando uma inteligência coletiva, que fortalecia o diálogo, aprofundava as conexões sociais e a cooperação entre todos. A papel da cultura (e de contar estórias) cresceu gradualmente e acelerou drasticamente nos últimos 100k anos. A socialidade, a cognição e a cultura evoluindo progressivamente para capacitar uma colaboração intensa e sofisticada. Adultos dividiam a responsabilidade pelo cuidado e ensino das crianças e jovens, numa sociedade relativamente igualitária, porém com status social e hierarquia baseada em mérito. Cada indivíduo tinha uma intimidade profunda com o próprio corpo e com o ambiente ao redor. As mudanças no ambiente, a formação das relações sociais, o desenvolvimento individual e o aprendizado aconteciam gradualmente no decorrer de anos, dando oportunidade para cada um de desenvolver uma identidade própria e única dentro do grupo. Esta sociedade tinha poucos objetos e propriedades, uma vida nômade, sobrevivia da catação e a caça de mais de 1000 tipos de alimentos, e vivia em contato muito próximo com a natureza e o clima. A morte estava frequentemente presente, especialmente entre os jovens e crianças devido à alta mortalidade infantil, perder um membro da família ou um amigo próximo não era um evento raro. A violência física também era algo presente, porém em geral limitada a eventos relacionados à punição e ou autodefesa. O risco com acidentes, doenças e animais perigosos era natural e constante. Este cenário imaginário e desenhado com base nas evidências científicas disponíveis, cria a possibilidade de se conceber como o ser humano viveu por mais de 99% do tempo desde o surgimento do bipedalismo.

5.      Esta aldeia imaginaria será importante e irei contrastar e comparar o mundo atual com esta aldeia imaginária de forma recorrente no Conexão sapiens. Sugiro que você faça um experimento de pensamento no qual você, utilizando os parâmetros descritos neste cenário, imagine uma aldeia com o maior número de detalhes possíveis, criando os personagens, fantasiando o dia a dia das pessoas, criando histórias para os membros da aldeia, etc. O limite é somente a sua imaginação. O cenário descrito acima traz um exercício que propicia a perspectiva de mundo completamente diferente do nosso, porém mais próximo do original para o qual o design humano foi forjado. Este é um experimento que eu tenho feito recorrentemente há anos, muitos dos comentários e aprendizados que apresentarei nos episódios do Conexão sapiens são frutos destes exercícios.

6.      A socialidade humana extrema não pode ser explicada facilmente pelos mesmos parâmetros e metodologias que explicam a socialidade de outros animais. A socialidade humana é um ponto fora da curva, extremamente mais complicada e sofisticada e a cultura teve um papel fundamental nessa transformação. A coevolução da genética e da cultura criou uma interação dinâmica e complexa que também gerou uma diversidade surpreendente de culturas humanas em um período menor que 100000 anos, que do ponto de vista evolucionário, não é tanto tempo assim. A transmissão da cultura acelerou a evolução genética da cognição social, emocional e geral, combinada com a evolução da linguagem. Todos esses fatores agiram juntos em uma dança complexa que acelerou a transformação do Homo sapiens em um período relativamente curto - a cultura selecionou seres humanos cooperativos e mais capazes de transmitir cultura que por vez intensificou o papel da cultura na nossa espécie criando uma alça de retroalimentação positiva. Neste período, o homo sapiens floresceu e dominou o mundo. Expandindo nas mais diversas áreas geográficas e formando milhares de culturas diferentes.

7.      Apesar da variação cultural observada em diferentes grupos, a cooperação é uma constante. A diferença entre uma tribo na Amazônia e outra no Alasca é culturalmente profunda e não pode ser explicada por uma transmissão genética, porém as bases são similares. Com uma analogia simplista, poderíamos dizer que há uma grande variabilidade de softwares, culturas, porém todos trabalham com objetivos similares, promover a cooperação.

8.      Não irei discutir toda esta variabilidade de culturas e como a cooperação se manifesta em cada uma, tentarei manter a discussão nas bases da cooperação humana. Ou seja, pretendo falar do objetivo/ cooperação, mas não dos softwares/ culturas 

9.      A generosidade diferencia o ser humano de outros primatas. As evidências científicas demonstram que os seres humanos dividem recursos mais livremente e mais frequentemente. Esta generosidade é importante para a reputação e tem vários mecanismos de monitoramento contra os caronas (parasitas). Estudos demonstram como os humanos praticam a punição altruística, a punição de um terceiro que não traz benefício direto para quem faz a punição, mas tem um certo custo. Sugerindo que o papel de criar um ambiente de colaboração vai além da relação diádica - relação entre 2 pessoas, e há uma preocupação humana intrínseca de monitorar e policiar os outros membros da sociedade para manter o sistema na direção da colaboração, punindo os caronas.

10. Outro conceito importante na colaboração é o signaling/ sinalização, onde os seres humanos tomam iniciativas que buscam demonstrar generosidade, competência, honestidade e colaboração, com o objetivo de construir uma boa reputação. Existem formas honestas e desonestas de fazer signaling, pois uma pessoa pode tentar enganar as outras demonstrando uma imagem fictícia. Durante a evolução dos seres humanos havia uma redundância de mecanismos de monitoramento moral, quando era difícil, dentro de um grupo pequeno com convivência prolongada, praticar atos desonestos cronicamente sem impacto na reputação e ou punição, pois os mecanismos de monitoramento eram robustos, o que não é o caso nos dias de hoje. 

11. Considerando a necessidade humana de sinalizar uma imagem positiva para construir uma reputação, não é de se surpreender que as pessoas gastem tanto tempo construindo perfis nas mídias sociais – para demonstrar sucesso e competência e elevar a reputação e o status social. Porém a energia dedicada a construir uma reputação desconectada do contexto de uma colaboração não fortalece a saúde sistêmica - sistemeostase. A reputação não deve ser considerada o objetivo final, e sim um instrumento para promover e premiar a colaboração, que é o objetivo final e primordial. Quando a reputação se torna um objetivo em si, é porque enxergamos a árvore e estamos cegos para a floresta.

12. Conversar sobre alguém que não está presente, a fofoca, tem uma conotação negativa, porém do ponto de vista evolucionário foi um fenômeno importante para a socialidade humana, pois esta identifica caronas, monitora comportamentos, dissemina e refina as normas sociais, consolida e dissemina informações a respeito da reputação e status de cada um, além de ser uma forma importante de entretenimento. Não poderíamos formar uma sociedade tão coesa sem uma linguagem sofisticada, conversas frequentes, fofoca e um esforço significativo na manutenção das conexões sociais. As pessoas têm uma preocupação constante com a reputação, que combinado com convívio social frequente, que é dedicada também a fofoca, formam os ingredientes necessários para um time colaborar, identificar e punir socialmente os caronas - com redução da reputação e status social. Porém a fofoca evoluiu no contexto de um grupo pequeno. Portanto, o ser humano tem uma curiosidade natural e um instinto de policiar o comportamento das outras pessoas, e talvez por isso, haja um interesse tão grande na vida das celebridades e em reality shows. Porém policiar e fazer fofoca sobre pessoas fora da nossa rede social próxima consome energia sem nutrir o nosso equilíbrio com o sistema. Quando a vida das celebridades se torna um objetivo em si, é porque novamente estamos olhando para a árvore e cegos para a floresta.

13. Quando os cientistas investigam a razão pela qual um ser humano se comporta de forma altruísta, economistas, antropólogos e psicólogos, ficam inicialmente intrigados com os resultados das pesquisas pois não há correlação entre o que se observa em seres humanos e outras espécies. Porém quando se observa que a generosidade humana possibilita uma espécie altamente colaborativa e bem-sucedida, a coevolução de cultura e genética começa a fazer sentido, apesar dos comportamentos individualmente custosos. Ser altruísta requer esforço e energia, caro do ponto de vista evolutivo, porém o retorno deste investimento em uma sociedade altamente colaborativa é muito positivo.

14. Como mencionei anteriormente, vários dos mecanismos utilizados para monitorar o comportamento buscam evitar o carona, ou seja, a pessoa que se beneficia do trabalho colaborativo sem contribuir, também se pode chamar esta pessoa de parasita ou desertor, porém decidi traduzir o termo em inglês, free-rider, como carona.

15. No período pré agricultura, o monitoramento do mau comportamento de cada um pelo bando era contínuo e envolvia também a punição de infratores. A cultura definia os padrões éticos aceitáveis, os costumes adotados pelo bando e as punições. Há uma variabilidade grande entre culturas, mas o tema principal comum é de apoiar e refinar a colaboração, premiando honestidade e generosidade, evitando e punindo comportamentos parasitas, para que todos colaborarem para o bem-estar de todos. A evolução humana em direção a um altruísmo sem precedentes se fundamenta no sucesso que os altos níveis de cooperação trouxeram para a nossa espécie. Colaboração é a base que tornou a cultura algo tão bem-sucedido, e a cultura elevou a colaboração a um nível sem paralelos. A cultura e a colaboração começaram timidamente a aprender a dançar há cerca de 100000 anos, e na véspera da invenção da agricultura, estavam dando um show de tango impressionante.

16. Uma proporção grande do nosso cérebro é dedicada à nossa vida social, grande parte das nossas emoções também, por exemplo vergonha, culpa, raiva e amor, para citar algumas. Outro aspecto importante da vida social humana e caro do ponto de vista evolutivo, é a comunicação e a linguagem. Grande parte da nossa cognição é dedicada a socialidade. Portanto, não é de se surpreender quando cientistas acreditam que para manter uma rede social de qualidade com 50 a 150 indivíduos, é necessário quase metade do nosso tempo acordado. Manter uma vida social ativa consome tempo, energia, o que não faria sentido do ponto de vista evolutivo sem a colaboração, o cérebro humano evoluiu capacitando uma espécie ultrassocial, enquanto a cultura forneceu as regras para o ser humano trabalhar como um time. A socialidade, cognição e a cultura capacitaram o ser humano a jogar o jogo da colaboração em níveis sem precedentes.

17. Mas afinal, o que caracteriza uma boa colaboração? Objetivos claros e bem alinhados, comunicação clara e efetiva, respeito mútuo, confiança, responsabilidade dividida entre todos, flexibilidade, adaptabilidade, empatia, resolução de conflitos, coordenação e liderança. Ou seja, uma colaboração bem-feita requer que muita coisa dê certo e depende do engajamento e das habilidades de todos os envolvidos. Do ponto de vista individual, a pessoa que participa de uma colaboração efetiva deve ter habilidade na cognição social, moral, emocional e geral. A rotina da aldeia imaginária propiciava um ambiente natural de aprendizado da colaboração, todos cresciam sendo treinados para colaborar.

18. Além da importância que a colaboração tem para sustentar uma conexão saudável com o sistema do ponto de vista pessoal, há hoje um consenso de que a colaboração é uma das 4 habilidades profissionais necessárias para o século 21, chamados de 4 C’s: criatividade, colaboração, pensamento crítico e comunicação. Estas habilidades são prioridades na educação profissional de indivíduos no mundo de hoje. Ter a capacidade de colaborar é uma habilidade não acontece naturalmente nos dias de hoje e requer treinamento específico, portanto crucial na educação de futuros profissionais. Os 4 CS serão temas recorrentes em futuros episódios.

19. Aspectos fundamentais no treinamento da colaboração são: 

a.      Criar um engajamento e assegurar a participação do indivíduo no processo colaborativo. O primeiro passo é estar presente, engajado, envolvido e interessado. Participar ativamente de iniciativas no trabalho é fundamental para o sucesso profissional. Frequentemente percebo no trabalho que há um certo cinismo em relação à pessoa que se apresenta para um projeto ou toma uma iniciativa, especialmente na cultura brasileira. O Mané que se voluntaria para o projeto está abraçando uma oportunidade de treinamento na arte de colaboração, que é uma das habilidades fundamentais para o século 21, enquanto isso o malandro está feliz com a própria esperteza e cego para a floresta.

b.      Outro aspecto importante no treinamento da colaboração é a empatia e o esforço cognitivo necessário para se entender a perspectiva das outras pessoas envolvidas no processo colaborativo, teoria da mente (theory of mind). A habilidade de construir modelos mentais sobre como a outra pessoa está pensando e sentindo é eficiente quando bem desenvolvido. Você já imaginou ter o superpoder de ler a mente das pessoas? Pois é, você tem os instrumentos para tal, porém há a necessidade de treinar esta habilidade. Teoria da mente, empatia e perspectiva alheia serão temas recorrentes, pois são críticos para a qualidade de nossa socialidade.

c.      A flexibilidade cognitiva necessária para ver perspectivas diferentes e explorar opções possíveis é uma habilidade que pode ser treinada. Sendo transparente, os experimentos de pensamento e as reflexões do Conexão sapiens tem segundas intenções e visam treinar a flexibilidade cognitiva. Aprofundarei a discussão sobre flexibilidade cognitiva nos episódios da área cognição.

d.      A habilidade e criatividade para construir propostas que levam em consideração a forma como as outras pessoas pensam, navegando a negociação necessária para se achar um lugar comum, requer paciência, empatia, liderança,controle emocional e sabedoria. 

e.      Um dos obstáculos que eu observo para uma colaboração efetiva é que as pessoas estão tão distraídas, com uma mente tão agitada, que não é possível ter um diálogo aprofundado e tranquilo sobre um assunto sem mudar de direção. Falta a atenção necessária para construir um entendimento de qualidade sobre a perspectiva da outra pessoa. O treinamento da atenção será um tema central nos episódios da área cognição.

20. Desenvolver a habilidade de estabelecer colaborações positivas e produtivas terá um efeito sistêmico amplo tanto na vida profissional como na vida pessoal. Na vida profissional, permitirá o trabalho em time e colaborações mais produtivas, parcerias mais profundas e alianças políticas. A capacidade de trabalhar colaborativamente é uma qualidade fundamental no ambiente profissional, sempre procurei esta habilidade quando eu estava recrutando talentos. Na vida pessoal, a habilidade de colaboração permitirá a formação de conexões sociais mais profundas e produtivas com as pessoas da sua rede social. Já imaginou o impacto na vida de cada um caso você e seu parceiro colaborassem em projetos de forma rotineira e eficiente. Os planos para o fim de semana e a viagem de férias poderiam se tornar projetos que fortaleceriam a conexão entre os dois. Ter a capacidade de colaborar com um parente para organizar uma festa da família sem conflito, de uma forma produtiva e positiva é uma habilidade cada vez mais rara, porém fundamental para uma saúde sistêmica. Espero que você explore oportunidades para aprender e desenvolver a sua capacidade de colaboração, porém vale lembrar que qualidade é mais importante que quantidade. 

21. Considerando a complexidade e a variedade de habilidades necessárias para desenvolver uma colaboração, não é de se admirar que nos dias de hoje, pessoas tenham uma dificuldade cada vez maior de trabalhar em time. Tanto a preocupação com a reputação, quanto a fofoca são fenômenos humanos fundamentais do quebra-cabeça que a natureza teve que resolver parar criar uma espécie altamente colaborativa, porém estes foram criados no contexto de um grupo pequeno com convivência prolongada, como a sociedade humana pré agricultura, e não para a sociedade moderna. Algo fundamental anteriormente se torna hoje uma distração significativa. O objetivo não é fofocar ou ter uma reputação e sim colaborar, a reputação é consequência do trabalho bem-feito e a fofoca um mecanismo de monitoramento, o prêmio e a punição desenhados para prevenir caronas e reforçar a qualidade da colaboração.

22. Acredito que após compreender os fundamentos design humano, é possível adaptar-se a um ambiente diferente do original. A situação que o ser humano enfrenta hoje é análoga ao impacto da propensão humana de comer doces, que no período pré agricultura ofereceu uma grande vantagem evolutiva e hoje causa uma epidemia de obesidade, pois não conseguimos resistir ao pudim. De uma forma similar, é muito difícil resistir à necessidade de se apresentar socialmente com a melhor imagem possível, ou ainda resistir à curiosidade natural de monitorar as outras pessoas - tempo e energia que potencialmente poderia ser gasto formando amizades mais profundas e colaborações produtivas, atividades que trarão um maior equilíbrio com o sistema. Estou usando a reputação e a fofoca como exemplos ilustrativos, lembre-se que dentro do sistema há inúmeros fenômenos e seria contra produtivo tentar discutir todos. 

23. É claro que a imagem que busco delinear nessa discussão de hoje é imprecisa e borrada como uma pintura impressionista, cientistas da área provavelmente teriam piti coloridos ao ler tal simplificação, porém acredito também que olhando a distância, a pintura ganha perspectiva e clareza. Como e quando diferentes mecanismos influenciam diferentes aspectos da cultura humana é um tópico para longos debates, provar que a nossa necessidade de monitorar caronas correlaciona se com o impulso de comprar revistas de fofoca seria muito difícil do ponto de vista científico e metodológico. Mas acredito que, se o ser humano passou dezenas de milhares de anos monitorando um ao outro para identificar caronas, é difícil imaginar que nosso comportamento hoje seja uma surpresa total. Independentemente de qualquer análise mais profunda e detalhada, quando se olha a distância o nome do jogo é cooperação e os comportamentos ancilares buscam identificar caronas e/ ou otimizar a própria reputação. 

24. Convido você a fazer uma reflexão de como você gasta o seu tempo e o quanto desse tempo é dedicado a colaboração. Trabalhar com pessoas da nossa rede social com um objetivo comum é uma oportunidade que não deve ser desperdiçada, pois gera valor, fortalece sua rede social, melhora a sua reputação e status social, desenvolve a sua cognição geral, social e emocional. Consequentemente melhorando o equilíbrio da pessoa com o sistema atual, porém novamente enfatizo que a qualidade é mais importante que quantidade. 

25. O ponto que quero enfatizar hoje é que deveríamos ficar menos distraídos com o ruido causado pelas disparidades entre os sistemas pré agricultura e atual e focar no sinal principal - construir colaborações produtivas. Portanto convido você a fazer uma reflexão sobre como você gasta o seu precioso tempo, identificando atividades que fortalecem a saúde do seu sistema, como relações diádicas de qualidade, reflexão moral e a cooperação, removendo atividades decorrentes do ruído.

26. Portanto, revendo a ciência de hoje, eu não consigo conceber uma festa de aniversário de 65 anos na qual uma pessoa se sinta confiante, com clareza de proposito, plena, com profundo autoconhecimento, sem arrependimentos significativos, com relações sociais profundas e uma densa sensação de pertencer /belonging - equilíbrio com o sistema, e ao mesmo tempo não tenha capacidade social, emocional e cognitiva para colaborar e não soube estabelecer colaborações produtivas durante sua vida. Colaboração é um dos fenômenos mais característicos da espécie humana e fundamental para construir uma sociedade saudável, condição sine qua non para uma festa bem-sucedida, na qual caso o Joe Black decida comparecer, será recebido com gentileza e tranquilidade.

27. Por favor me enviem sugestões, críticas construtivas e perguntas. Para concluir, caso você ache que este é um assunto que vale a pena, por favor se inscreva e espalhe essa notícia, tem um novo podcast - Conexão Sapiens: a ciência desvendando você. 

28. Um grande abraço do Kald.

 

Este episódio busca demonstrar como a colaboração teve um papel fundamental no desenvolvimento evolutivo humano e é uma habilidade crucial da nossa saúde equilíbrio com o sistema.

 

·       The Evolution of Altruism in Humans Robert Kurzban,Maxwell N. Burton-Chellew, and Stuart A. West Annu. Rev. Psychol. 2015. 66:575–99.

·       Thornhill-Miller, Branden, et al. 2023. Creativity, Critical Thinking, Communication, and Collaboration: Assessment, Certification, and Promotion of 21st Century Skills for the Future of Work and Education. Journal of Intelligence 11: 54.

·       Samu F, Takács K. 2021 Evaluating mechanisms that could support credible reputations and cooperation: crosschecking and social bonding. Phil. Trans. R. Soc. B 376: 20200302.

·       The Origins and Psychology of Human Cooperation Joseph Henrich and Michael Muthukrishna. Annu. Rev. Psychol. 2021. 72:207–40.