Olhando para dentro do nosso corpo... Consciência corporal #9

Treinar a nossa consciência corporal, melhora a nossa identidade e percepção do self, refina a cognição emocional, afina a sintonia entre sua mente e a saúde do seu corpo, conecta sua mente com o agora e o espaço ao seu redor, servindo de âncora para a sua cognição parar de viajar no tempo, se tornando um instrumento fundamental para reduzir ressentimentos e ansiedade. 
Portanto, há tantos aspectos importantes que passam pela consciência corporal que acredito que esta seja um ponto crítico dentro do sistema, o que eu quero dizer com ponto crítico é que melhorar a sua consciência corporal é uma intervenção que pode ter um efeito transformador na sua vida, principalmente quando combinado com outras intervenções, como por exemplo o desenvolvimento da cognição emocional. Uma alta consciência corporal facilita tantos aspectos do crescimento e desenvolvimento, não buscar esse objetivo seria perder uma oportunidade única no caminho para uma vida plena. Qualquer indivíduo que busque uma festa de aniversário de 65 anos bem-sucedida deve considerar iniciativas que aumentem a consciência corporal.

Por favor me enviem sugestões, críticas construtivas e perguntas. Me sigam no Instagram @kaldconexaosapiens e para concluir, caso você ache que este é um assunto que vale a pena, por favor espalhe essa notícia, tem um novo podcast - Conexão Sapiens: a ciência desvendando você.

o Um grande abraço do Kald.

Transcript

Conexão Sapiens: a ciência desvendando você.

Podcast número 9 da fase inicial de síntese, área sistema.

Olhando para dentro do nosso corpo... Consciência corporal.

Oi pessoal, aqui é o Kald, muito bom estar de volta hoje no episódio 9. Muito obrigado a todos pelas sugestões e perguntas que tenho recebido que me ajudam a melhorar continuamente.

1.      Hoje a gente vai conversar sobre a consciência corporal. Ter uma conexão íntima com o próprio corpo é um aspecto fundamental de um equilíbrio sistêmico, pois o corpo nos conecta com tudo que existe ao nosso redor. Houve um progresso impressionante da neurociência sobre a interocepção, que é a percepção de sinais e sensações internas do próprio corpo. 

2.      Os seres humanos evoluíram no decorrer de vários milhões de anos em constante contato com o ambiente ao redor. O caçador catador estava sempre atento ao ambiente, sons, odores, qualquer sinal que pudesse ajudar nas atividades diárias e ou sinalizar perigo. O convívio social era muito íntimo, cada um precisava prestar atenção no outro para colaborar nas atividades do dia a dia. Para a nossa sobrevivência, cada indivíduo necessitava uma intimidade profunda com o próprio corpo e com o ambiente ao redor. 

3.      Hoje em dia há uma desconexão significativa entre corpo e mente, algumas pessoas passam horas antes de perceber que estão com fome ou cansadas. A atenção está cada vez mais voltada as telas e passamos o dia no piloto automático. Estamos gradualmente esquecendo do nosso corpo. Mesmo na academia quando fazendo exercício, as pessoas estão distraídas com telas. Existe uma grande diferença entre uma caminhada numa trilha dentro da natureza e andar na esteira olhando para a televisão. 

4.      Além de praticar meditação e yoga há mais de 20 anos, criei o hábito de no decorrer do dia fazer pequenas checagens da situação do meu corpo. Eu paro e observo minha postura, meus 5 sentidos, as emoções e sensações internas por alguns minutos. Presto atenção especialmente quanto a presença de FRSC – uma sigla que significa fome, raiva, solidão e cansaço. Sei que este é um relato anedótico, mas este hábito teve um impacto profundo para mim. Além disso, evidências científicas demonstram que melhorar o nível de consciência corporal é uma ação efetiva para trazer o bem-estar e equilíbrio. A consciência corporal é um ponto crítico para onde muitos aspectos diferentes do desenvolvimento humano convergem, hoje irei explicar por que acredito que treinar a sua consciência corporal é uma das recomendações mais importantes que eu farei no podcast Conexão sapiens. 

5.      Em uma das muitas reorganizações que observei durante a minha carreira, lembro-me bem uma vez que fiquei impressionado com a calma e a tranquilidade de uma diretora que tinha acabado de perder o emprego, ela estava lidando com a situação de uma forma elegantíssima. Esta diretora demonstrou uma autoestima e autoconhecimento invejáveis, vale notar que ela trabalhava como instrutora de ioga nas horas vagas. Coincidência ou não, a ioga aumenta a nossa consciência corporal. Hoje eu entendo bem a razão desta minha colega de trabalho ser tão confiante e segura de si. A nossa identidade, ou seja, a resposta que daremos a pergunta “quem é você?” é uma construção mental que incorpora vários aspectos tais como personalidade, corpo, relações sociais, emoções, cultura, entre outros. Portanto, múltiplos fatores interagem na construção mental da nossa identidade, porém a consciência do próprio corpo é um dos alicerces fundamentais, um componente crítico no processo de desenvolvimento da nossa identidade pessoal, da autoconsciência e do descobrimento do self. Você é seu corpo e seu corpo é você, conectar-se com o seu corpo irá te trazer autoconfiança, autoconhecimento e consolida a qualidade da construção mental da sua própria identidade. A vida fica mais fácil quando a gente tem convicção da própria identidade.

6.      Outro ponto importante é que as emoções humanas se manifestam através do nosso corpo, sendo que o amor e a felicidade são sentidos pelo corpo todo, a vergonha se manifesta predominantemente no rosto, e a raiva no rosto e tórax. Aprender a reconhecer as diferentes sensações que as emoções nos trazem será um passo fundamental no desenvolvimento de uma cognição emocional, ou inteligência emocional caso queira utilizar o termo mais amplamente reconhecido. Uma consciência corporal aguçada com uma atenção aos detalhes e nuances das sensações vai permitir o indivíduo a aprender a reconhecer as próprias emoções de uma forma mais afinada. Considerando as manifestações fisiológicas das diferentes emoções, não é muito fácil diferenciar o amor da alegria ou a raiva do medo por exemplo. Identificar de uma forma precisa nossas próprias emoções é o primeiro passo na avaliação do que está acontecendo dentro de nós mesmos. Para tal, desenvolver uma percepção afinada das nossas sensações internas é um passo crítico no caminho para uma cognição emocional refinada.

7.      Para ilustrar o impacto de uma emoção no nosso corpo vou descrever as alterações causadas pelo medo, por exemplo quando alguém andando na mata vê uma cobra: há uma mudança imediata da expressão facial com a boca entreaberta, sobrancelhas elevadas, olhos bem abertos, aumento da frequência cardíaca e respiratória, palidez, pupilas dilatadas, redução da sensibilidade à dor e aumento da atenção e foco. Todas essas alterações acontecem em questão de segundos. Esta descrição demonstra a extensão das mudanças que acontecem por todo o corpo em resposta a uma única emoção: medo. Cada emoção irá criar um perfil diferente, treinar a cognição para reconhecer o perfil de sensações internas de cada emoção é um passo fundamental no caminho de uma cognição emocional refinada. Infelizmente a gente não aprende isso na escola, irei dedicar vários episódios no futuro para descrever como a ciência pode nos ajudar a reconhecer certas emoções fundamentais, especialmente o medo, raiva, tristeza e amor.

8.      Ouvir o seu corpo também irá melhorar a sua saúde biológica. Ainda me lembro de um caso de uma paciente que foi internada para investigação de dor abdominal no final da minha faculdade de medicina, após uma investigação extensa que incluiu endoscopia entre outros testes, concluímos que a dor que a paciente sentia era fome, pois a dor começava após um período de jejum e passava após a refeição, e todos os exames eram normais. O caso desta paciente ilustra bem as consequências da interpretação errônea dos sinais que recebemos do nosso corpo, pois não conseguir interpretar os sinais de que o nosso corpo traz cria insegurança e incerteza do que está acontecendo. Uma percepção afinada das sensações internas pode conectar a nossa mente com sintomas de diferentes doenças, isso permite um manejo da nossa saúde muito mais refinado. Imaginar que uma pessoa pode ter uma consciência corporal tão desconectada que é incapaz de discernir dor e fome ilustra bem este ponto. Também importante estarmos atentos a nossa própria fisiologia, identificar quando estamos cansados, com fome, com sede etc. Estar atento às nossas sensações internas permite também evitar o ruído cognitivo causado por estas, por exemplo, não se irritar com os filhos porque você está cansado.

9.      Além disso, a disfunção da interocepção está relacionada com uma longa lista de doenças com um componente psicológico significativo, alguns exemplos são, síndrome do colón irritável, transtorno obsessivo compulsivo, depressão, alcoolismo, ansiedade, pânico, enxaqueca etc. Treinar a nossa mente a prestar atenção nas sensações e informações provenientes do nosso corpo, ou seja, treinar nossa interocepção, significa ouvir o que o corpo está nos dizendo.

10. A consciência corporal também pode ter um impacto benéfico na nossa cognição, ou seja, na forma como a gente pensa. Uma das características da cognição humana é a capacidade de viajar no tempo, ou seja, seres humanos tem a capacidade de refletir a respeito do passado e o criar modelos de futuros possíveis. Esta capacidade cognitiva foi extremamente eficaz no período pré agricultura, porém hoje é uma grande fonte de sofrimento humano, pois frequentemente nossa mente está perdida no passado, ruminando ressentimentos, ou obcecada com o futuro, fantasiando catástrofes. É importante diferenciar entre a viagem no tempo bem adaptada: refletir sobre o passado ou planejar o futuro. E a viagem no tempo mal adaptada: ruminar o passado cultivando mágoas e ressentimentos, ou fantasiar catástrofes futuras gerando ansiedade e insegurança. Quando estamos viajando no tempo de forma mal adaptada, uma pessoa com um treinamento de consciência corporal tem a oportunidade de facilmente redirecionar a atenção para o próprio corpo e o momento de agora. Por exemplo, enquanto você está no metrô indo para casa, já imaginou ter o superpoder de em vez de ruminar ou ressentir algo que o colega de trabalho fez, relaxar a sua mente com respirações coordenadas enquanto ajusta a postura de seu corpo? Um treinamento disciplinado da consciência corporal através de diferentes metodologias, por exemplo Tai Chi, yoga, meditação e Pilates, pode oferecer um mecanismo de ancoragem da atenção. Esta âncora pode então ser utilizada a qualquer momento que o indivíduo julgar necessário. Este treinamento de manter a nossa atenção e consciência no agora e dentro do nosso próprio corpo é a base de várias abordagens que buscam o bem-estar e um dos motivos pelo qual a palavra mindfulness é tão popular hoje em dia. Convém lembrar que mindfulness é praticada na ioga e na meditação budista há mais de 2000 anos e estudos de imagem com meditadores de longo prazo demonstram altos níveis de felicidade e bem-estar. Por favor, não subestime o impacto no bem-estar de uma pessoa, que ao invés de ficar horas todos os dias perdidas no tempo e no espaço, fica sintonizada com o próprio corpo e o espaço ao redor, pois esta pode ser uma das intervenções mais transformadoras.

11. Para ilustrar algumas atividades que podem melhorar a sua consciência corporal, ou seja interocepção, a fome é exemplo ideal. Vamos fazer um exercício de interocepção, reflita calmamente como você responderia as seguintes perguntas:

a.      O que você sente quando você está com fome? Descreva as sensações da forma mais objetiva possível.

b.      Quais outras sensações você tem? Qual a parte do corpo que você percebe a fome? 

c.      Quando você está com muita fome, você se sente fraco? Cansado?

d.      Como a fome impacta o seu humor? Irritação? Ansiedade?

e.      Existem situações em que você tem vontade de comer algo sem estar sentindo fome?

f.        Você acredita que a fome se manifesta diferentemente no almoço e janta?

12. Você conseguiria responder essas perguntas com confiança? Acredito que poucas pessoas tenham uma consciência profunda das sensações relacionadas à fome. Estudos científicos demonstraram que uma baixa consciência corporal causa uma saciedade tardia, fazendo com que as pessoas comam mais do que o necessário, e tenham um maior índice de massa corpórea, ou seja, a falta de sintonia com seu próprio corpo engorda. Considerando a epidemia de obesidade, criar o hábito de avaliar as sensações internas da fome pode treinar a sua cognição a reconhecer mais precocemente à saciedade, diferenciar a fome da ansiedade, do tédio, da tristeza. Da mesma forma que uma meditação explora as sensações do seu corpo, é possível explorar todas as sensações desencadeadas pela fome, permitindo então encontrar uma dimensão nova e mais profunda do prazer de comer. Este é somente um exemplo dos muitos possíveis no treinamento da consciência corporal e da interocepção.

13. Outro ponto fundamental na importância de se desenvolver uma consciência corporal profunda, é a relação que temos com o espaço ao nosso redor. Por exemplo, quando alguém vai entrar em um elevador e a pessoa que está dentro do elevador fica parada na porta sem dar espaço para você passar, dá para perceber que ela não está fazendo de propósito, porém esta pessoa não tem consciência de como o corpo dela está se conectando com o espaço ao redor. A consciência corporal permite a conexão com o ambiente, evitando acidentes e demonstra respeito as outras pessoas. Estar presente no momento de agora, consciente do próprio corpo e consciente do espaço ao redor são habilidades que não se desenvolvem naturalmente na vida moderna. 

14. O cérebro é responsável por coletar e interpretar as informações provenientes do corpo, por exemplo, a gente fica irritado quando está com fome e calmo e feliz quando praticando yoga, porém podemos aprender a ficar menos irritados com a fome e mais felizes com a yoga, ou seja, a interpretação das informações interoceptivas pode ser modulada e treinada. Técnicas como a meditação e terapia cognitivo comportamental são atualmente utilizadas com o objetivo de aperfeiçoar a capacidade de interpretar e perceber sensações internas, pois a estabilidade e alta capacidade de interocepção cria condições para a harmonia do conceito de self e da própria identidade. Exercícios de respiração da ioga e meditação demonstraram um efeito benéfico em quadros de ansiedade, na qualidade do sono, dor crônica e vários outros problemas médicos. Portanto, intervenções que combinam Mindfulness, consciência corporal e espacial pode ser extremamente benéfica para o bem-estar do indivíduo- tai chi, Pilates, yoga e meditação são exemplos de intervenções com evidências científicas sólidas.

15. Resumindo, treinar a nossa consciência corporal, melhora a nossa identidade e percepção do self, refina a cognição emocional, afina a sintonia entre sua mente e a saúde do seu corpo, conecta sua mente com o agora e o espaço ao seu redor, servindo de âncora para a sua cognição parar de viajar no tempo, se tornando um instrumento fundamental para reduzir ressentimentos e ansiedade. 

16. Portanto, há tantos aspectos importantes que passam pela consciência corporal que acredito que esta seja um ponto crítico dentro do sistema, o que eu quero dizer com ponto crítico é que melhorar a sua consciência corporal é uma intervenção que pode ter um efeito transformador na sua vida, principalmente quando combinado com outras intervenções, como por exemplo o desenvolvimento da cognição emocional. Uma alta consciência corporal facilita tantos aspectos do crescimento e desenvolvimento, não buscar esse objetivo seria perder uma oportunidade única no caminho para uma vida plena. Qualquer indivíduo que busque uma festa de aniversário de 65 anos bem-sucedida deve considerar iniciativas que aumentem a consciência corporal.

17. Por favor me enviem sugestões, críticas construtivas e perguntas. Para concluir, caso você ache que este é um assunto que vale a pena, por favor se inscreva e espalhe essa notícia, tem um novo podcast - Conexão Sapiens: a ciência desvendando você. 

 Referencias:

·       Tsakiris M. The multisensory basis of the self: From body to identity to others. Q J Exp Psychol 2017 Apr;70(4):597-609.

·       Eric Robinson, Lucile Marty, Suzanne Higgs, Andrew Jones, Interoception, eating behaviour and body weight, Physiology & Behavior, Volume 237, 2021,