Chá Comigo, Podcast de Tsering Paldron
Chá Comigo, Podcast de Tsering Paldron
Um presente de Natal
O tempo passa, voa... os dias sucedem-se, as semanas, os meses... e já é Natal outra vez. Estamos a escassos dias e muitos andam na correria dos presentes. Se é o seu caso, e não sabe o que oferecer, esqueça os centros comerciais abarrotar de gente, a loja dos chineses com aquele cheiro a plástico barato, e oiça a minha sugestão para um presente que faz a diferença.
Veja a minha página: http://www.tseringpaldron.com/pt
Ouve-se cada vez mais falar de neurociências e das novas descobertas a nível dos efeitos quase milagrosos da meditação. A neuro plasticidade do cérebro e a possibilidade de alterar as conexões neuronais é fascinante e tem confirmado os ensinamentos e as técnicas ancestrais do Budismo.
No entanto, enquanto quase todos continuam a focar-se no cérebro, recentes pesquisas científicas demonstram que a consciência não está apenas ligada a ele mas surge da interação entre o cérebro e o resto do corpo. Nas tradições espirituais, o grande centro da consciência nunca foi o cérebro mas sim o coração. Pensámos durante muito tempo que se tratava apenas de um sinal manifesto de ignorância e obscurantismo, mas este julgamento está a ser destronado. À luz de novas descobertas, os cientistas atuais começam a reconhecer que o coração está longe de ser apenas uma “bomba” de sangue.
Uma nova disciplina, a neurocardiologia, revela-nos que o coração é um sofisticado centro de receção e processamento de informação e possui mesmo um sistema nervoso próprio (já apelidado de “cérebro do coração”). O sistema nervoso cardíaco possui cerca de 40.000 neurónios e permite-lhe aprender, recordar e, mesmo, tomar decisões de forma independente do córtex cerebral.
Embora exista uma comunicação entre o cérebro e o coração que vai nos dois sentidos, os canais de comunicação levando informação do coração ao cérebro são em maior número do que os que veiculam informação no sentido inverso. O que é, no mínimo, inesperado.
Outra ideia errada é que o coração bate como um metrónomo, num ritmo estável. Sabe-se hoje que não é o caso. Pelo contrário, o ritmo de um coração saudável, mesmo em repouso, é surpreendentemente irregular, sendo que o tempo entre os batimentos varia constantemente.
Esta variação normal do batimento cardíaco é devida à sinergia dos dois aspetos do sistema nervoso autónomo, simpático e parassimpático: os nervos simpáticos aceleram o coração, enquanto os parassimpáticos fazem-no bater mais devagar.
Quando estamos stressados ou tomados por emoções negativas, o ritmo do coração torna-se errático e desordenado e os sinais enviados pelo coração ao cérebro inibem as funções cognitivas superiores, impedindo-nos de pensar com clareza, recordar, aprender ou tomar decisões.
Como já deve ter adivinhado, os sinais enviados por um coração que bate num ritmo mais estável e ordenado, quando sentimos emoções positivas, facilitam as funções cognitivas e reforçam os sentimentos positivos de estabilidade emocional.
Quando as emoções positivas são sentidas de forma mais estável, produz-se então um modo de funcionamento distinto, que os cientistas chamam de “coerência psicofisiológica”. Este modo de funcionamento é caracterizado por uma interação mais harmoniosa e eficaz entre todos os sistemas fisiológicos e, a nível psicológico, por uma notável redução do pensamento discursivo e do stress, um maior equilíbrio emocional, mais resiliência, maior clareza mental e mais intuição.
Durante esses estados de coerência acontecem algumas alterações fisiológicas importantes. Os dois ramos do Sistema Nervoso Autónomo sincronizam-se e o equilíbrio resultante favorece o aumento da atividade parassimpática. A respiração e até a pressão arterial sincronizam-se com o ritmo gerado pelo coração e as atividades do coração e do cérebro harmonizam-se.
Um outro aspeto fascinante é que o coração gera o maior e mais poderoso campo eletromagnético do corpo que é sentido por cada célula. É cerca de 60 vezes maior e 5000 vezes mais poderoso do que o do cérebro e pode ser detetado a mais de metro e meio à volta do corpo. Várias experiências têm revelado que o campo eletromagnético do coração tem um papel importante na comunicação entre as pessoas a um nível inconsciente. As ondas cerebrais de um indivíduo podem sincronizar-se com o campo eletromagnético do coração de outro, dando-lhe algum conhecimento intuitivo do seu estado emocional. Os indivíduos com ritmos cardíacos mais coerentes são mais capazes de se sincronizarem com os campos cardíacos alheios e são, por isso, muito mais sensíveis e capazes de “ler a mente dos outros” – o que é frequentemente apontado sendo um poder específico dos seres espiritualmente mais evoluídos.
Para gerarmos esses importantes estados de coerência psicofisiológica, temos então de cultivar emoções positivas, algo que o Budismo tem ensinado nos últimos 25 séculos. Emoções como o amor e a gratidão são extremamente poderosas e, se nos habituarmos a cultivá-las, o nosso estado físico e mental vai melhorar consideravelmente.
Então, nesta chávena de chá queria falar da gratidão.
Sentir-se grato é um sentimento poderoso que, contrariamente ao que geralmente pensamos, tem menos a ver com o que temos ou não temos, e mais com a nossa capacidade de apreciação.
Com um pouco de atenção e de treino, podemos deixar de nos queixar e começar a ver o lado positivo, todas as razões que temos para estar felizes, mesmo aquelas que parecem mais óbvias e que normalmente não valorizamos. Há alguns anos atrás criei um pequeno curso de 17 semanas focado no desenvolvimento da gratidão. Acho que ajudou algumas pessoas. Também gravei uma meditação guiada sobre a gratidão que vou publicar como podcast, ao mesmo tempo que esta chávena de chá e que está disponível no meu canal de Youtube.
Costumo também sugerir o diário de gratidão, todos os dias acrescentando algo pelo qual se sente grato, e relendo regularmente tudo o que já apontou. Parece infantil e muito new age, mas funciona. Sobretudo se tomar algum tempo para realmente sentir o que está a escrever.
Este processo poderá não ser assim tão óbvio para todos. Às vezes estamos num momento ou numa situação em que não nos sentimos gratos por coisa alguma. Paradoxalmente, a gratidão poderia ser exatamente o sentimento que nos ajudaria a sair do poço. Pode parecer absurdo, mas sentir-nos gratos porque a situação podia ser bem pior, pode ser o começo.
Recentemente, ouvi uma palestra de um neurocientista sobre o poder da gratidão. Segundo ele, a gratidão que mais impacto tem no nosso sistema psicofisiológico é a gratidão que nos é demonstrada pelos outros.
Provavelmente será porque o que fazemos pelos outros dá espontaneamente sentido à nossa vida e nos faz sentir bem, mesmo sem qualquer agradecimento. Mas se o reconhecimento vier, então é a cereja no topo do bolo.
O único problema é que poderemos ter de ficar à espera de que alguém nos manifeste gratidão. O que poderá não acontecer de forma regular – sobretudo se nada fizermos para a merecer...
Mas, porque somos animais empáticos e sociais, e porque temos aqueles neurónios-espelho que nos fazem refletir as emoções dos outros com facilidade, ele sugere que encontremos algumas histórias de gratidão que nos toquem particularmente e que as rememoremos regularmente.
Vou criar uma página no meu site, onde partilharei os recursos de que falei aqui e em que haverá lugar para quem quiser partilhar histórias de gratidão que possam inspirar os outros.
Mas, entretanto, a minha sugestão é outra. Este Natal, em vez de oferecer coisas de que ninguém precisa, escreva mensagens de gratidão. Cartões, SMS, emails, whatsapps, na forma que quiser. Não precisa de ser um testamento, podem ser duas linhas, sentidas e sinceras... Diga aqueles que o ajudaram, aqueles que estão consigo, o quanto são importantes para si, como se sente grato por tê-los, o quanto isso lhe faz bem.
Porque repare, enquanto pensa e escreve essas cartas, estará a sentir gratidão e a oferecer ao destinatário a melhor forma de gratidão possível. Um presente para si e um presente para ele. Haverá coisa melhor?
E pronto, nada mais resta a dizer, acabei de tomar o último gole do meu delicioso chá. Fica apenas o desejo de um bom Natal e muitos presentes de gratidão.